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Que sentimento têm os russos quanto ao passado comunista?

Por Jacir Venturi
26/06/2017 • 15h06
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Cada país tem sua singularidade, porém a Rússia tem algo de diferente. É enigmática pelos mitos, pelas lendas e pelas versões sobre fatos históricos que a diferenciam do que aprendemos nos livros didáticos. Em parte, é decorrência da bipolarização que se estabeleceu entre os EUA e aliados versus o regime comunista dominante por cerca de sete décadas na antiga URSS, derrocada em 1991.

Em seis impactantes dias em Moscou e São Petersburgo, convivemos intensamente com professores, guias turísticos e com russos de extratos sociais distintos. Sem o rigor de uma pesquisa científica, buscava compreender o sentimento que os russos têm atualmente em relação ao regime comunista implantado em 1917. Atrevo-me a dividir as opiniões em dois grandes grupos.

Primeiramente, há os saudosistas para os quais o comunismo oferecia mais qualidade em saúde e educação, bem como maior segurança na aposentadoria. Para esse grupo, não havia desemprego, embora se um engenheiro não tivesse trabalho, que fosse quebrar pedras, e quem não trabalhasse era muito mal visto. O sentimento anti norte-americano é mais forte. Sabe por que os norte-americanos soltaram duas bombas atômicas no Japão em 1945? – perguntam. Sim, o objetivo principal foi intimidar os soviéticos. E essa é a razão dos metrôs serem tão profundos – serviriam de abrigos antiatômicos.

Ademais – justificam –, foram os soviéticos, com Stálin à frente, que venceram os nazistas na 2ª Guerra Mundial, e não os norte-americanos. Com a perda de 27 milhões de civis e militares, foi uma vitória com muito sangue e heroísmo, pouco reconhecida no ocidente – queixam-se. E as atrocidades e os dois milhões de soviéticos mortos pelo regime? – pergunto. Respondem com outra pergunta: Quem os contou? Os números são muito menores e as mortes foram essencialmente cometidas por Stálin, que já foi punido, embora tenha sido um grande patriota.

De fato, rememorando a história, Stálin faleceu em 1953 e no XX Congresso do Partido Comunista realizado em 1956 seu sucessor, Nikita Khrushchov, em um célebre discurso, denunciou seu antecessor pelas brutalidades e abusos de poder: “Stálin descartou o método leninista de convencer e educar. Ele abandonou o método de luta ideológica para que prevalecesse a violência, repressões em massa e terror”. Ademais, como punição, além da liquidação moral, seu corpo embalsamado que até então jazia ao lado do sarcófago de Lênin, na Praça Vermelha, sofreu um downgrade ao ser transferido para as muralhas do Kremlin, ao lado de outros heróis soviéticos.

Há um segundo grupo, a quem pouco importa o passado socialista, adotando uma postura pragmática e um modus vivendi similar ao de qualquer outra cidade do ocidente. Valoriza a meritocracia, a capacitação profissional – 53% da população russa têm ensino superior, é o índice mais alto do mundo (Brasil, 11%). Preocupa-se com o desemprego que ronda os 7%, com os custos complementares de uma boa educação, saúde e previdência, embora beneficiem-se das moradias doadas pelo Estado – as mesmas que habitavam durante o antigo regime e com direito a repasse aos herdeiros.

Sem provocações explícitas, os dois grupos convivem à sua maneira com o passado e o Presidente Putin representa uma quase unanimidade – seu governo mantém mais de 80% de aprovação popular pois incorpora o status de líder forte. É reconhecido como um patriota, agregador, e conduz na medida certa a abertura econômica que precede a abertura política. Assim o faz a China, assim o fez o Chile. Já o Brasil optou pelo caminho inverso: primeiro a abertura política, relegando a um plano secundário o ambiente de negócios, a inovação, a desburocratização e as reformas necessárias.

A Rússia, com o dobro do território brasileiro e contrastes do tamanho de uma Transiberiana, vai muito além de Moscou e S. Petersburgo, cidades símbolos, de per si muito diferentes, porém ambas atraentes, limpas, seguras, sem pichações e mendicância, repletas de gente afável e culta. Nelas, características semelhantes às metrópoles ocidentais, com os preços análogos aos de São Paulo e os irritantes congestionamentos, convivem com uma cultura sui generis e uma historiografia muito interessante, formada por páginas pungentes de heroísmos, traições, luxúria, sangue e sofrimento. Todavia, a locomoção e a compra de ingressos são complexas, poucos falam o inglês e as placas indicativas são somente em russo. Neste sentido, a realização da Copa de 2018 na Rússia produzirá fortes estímulos ao aprendizado do inglês entre os jovens, recepcionistas, garçons e, possivelmente, promoverá melhorias na sinalização para estrangeiros. Ainda assim, para um merecido passeio neste país singular no mundo, prevalece o conselho que recebi: não se meta na Rússia sem um bom planejamento e um guia especializado!

Jacir J. Venturi, Coordenador da Universidade Positivo, ex-professor da UFPR e da PUCPR, foi também presidente do Sinepe/PR e vice-presidente da ACP.

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